Especial COVID-19: Controvérsias sobre locação em shopping centers

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Especial COVID-19: Controvérsias sobre locação em shopping centers

Louise Ribeiro do Nascimento, advogada associada da Cauduro & Morínigo Advocacia, inscrita na OAB/SC sob o n. 55.381, pós-graduanda em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV LAW de São Paulo/SP e em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade CERS – Complexo de Ensino Renato Saraiva.

 Poucos fatos são inéditos no complexo emaranhado das relações humanas. Voltando ao passado, podemos encontrar o caos provocado pela gripe espanhola que no alvorecer do século XX dizimou parcela considerável da população mundial e teve seus efeitos sentidos também na economia.

A mutação do Coronavírus, que possibilitou o seu contágio entre seres humanos, provocou enorme desequilíbrio social, inclusive nas relações jurídicas, servindo, portanto, o presente texto para auxiliar na tomada de decisão daqueles que estão envoltos no microssistema de shopping centers.

Neste microssistema, tem-se os lojistas, cujo foco é a venda in loco aos inúmeros visitantes dos centros de compras, e, de outro lado, os empreendedores dos shopping centers, que atuam com injeção de “capital intensivo” visando oportunizar grande circulação de pessoas em seus estabelecimentos.

Independentemente da vontade dos personagens principais deste microssistema, a chegada do Covid-19 forçou municípios e estados brasileiros a adotarem medidas emergenciais de fechamento de inúmeras atividades econômicas, entre elas o comércio em centros de compras. A técnica adotada para tentar frear a disseminação do vírus paralisou de forma inédita inúmeros shopping centers (mais de 550 estão fechados em todo Brasil – Fonte: Revista Exame), causando angústias e incertezas para os lojistas e empreendedores.

Atenta a tais fatos, a Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) recomenda que os proprietários de shopping centers adotem a boa prática, através do adiamento provisório da cobrança mensal de referidos alugueres, para serem posteriormente discutidos. (Fonte: Infomoney).

Diante disso, lojistas e empreendedores de shopping centers movimentam-se procurando conciliar as necessidades mútuas dos seus negócios, fortalecendo os vínculos que unem tais empresários.

O próprio Código Civil prevê normativas que se amoldam a essa hipótese (artigos 317 e 418), através da aplicação da Teoria da Imprevisão, pela qual os valores estipulados em contratos de execução continuada ou diferida (como o de locação, com prestações mensais), podem ser revistos, diante de situações imprevisíveis no momento da conclusão do contrato:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Na semana passada (24/03/2020), o Juízo da 25ª Vara Cível de Brasília deferiu pedido liminar autorizando que o lojista de um shopping deixasse de pagar o aluguel mínimo e o fundo de promoção e propaganda, alicerçando sua fundamentação no art. 317 do Código Civil, que normatiza a Teoria da Imprevisão. Segundo o magistrado, é impossível neste momento “simplesmente parar de adimplir as obrigações”, porém, a redução é medida justa a ambas as partes, uma vez que a previsão de aluguel sobre o faturamento trata-se de medida de cooperação econômica, em que “se você ganha eu ganho”.

Por se tratar de uma decisão isolada e existirem visões antagônicas à decisão antes referenciada, é nosso dever explorar outros enfoques que poderão surgir no curso de eventuais processos, entre eles os dispositivos legais contidos na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91). A legislação especial, dispõe que, independentemente do motivo, a locação pode ser desfeita (art. 9º) e, inclusive, ensejar uma ação de despejo (art. 59, §1º, IX), quando não pagos os alugueis e encargos devidos.

Diante deste quadro extremo caberá aos empresários envoltos no microssistema de shopping centers a responsabilidade social na tomada de decisão e busca de soluções, sem perder o foco de que tal qual aqueles que passaram pela gripe espanhola, num futuro próximo todos voltarão a se relacionar em tempos de normalidade.

Em casos em que o diálogo não é possível, caberá ao Poder Judiciário dirimir as controvérsias, com todas as incertezas que esta opção acarretará aos envolvidos.