Não que eu me afine necessariamente com as posições do autor mais recente da expressão, Ministro do Supremo Tribunal Federal, nem que as razões de estranheza percebida por nós sejam coincidentes, mas a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS acaba de confirmar a sentença: “tempos estranhos estes…”. De uma só vez, derrubou variados direitos e princípios jurídicos.
Após reunião polemizada de sua Diretoria Colegiada, em que deliberou pela interferência no preço dos planos de saúde por meio da suspensão de reajustes, a ANS publicou “desorientações” em seu site, pretendendo conceder-lhe efeitos de obrigação legal, sem elaboração de norma jurídica, sem a concessão de prazo razoável para as adaptações operacionais decorrentes de sua determinação, e até com efeitos potencialmente retroativos.
Me toma o receio de que não haja formação jurídica dos envolvidos neste processo de normatização via “Esclarecimentos” e que se admita, doravante, que este será o “método legislativo”. Fico curioso para saber se o texto publicado no site oficial da ANS foi previamente aprovado pelos participantes da reunião, se houve processo adequado e seguro de confecção, conferência e validação do mesmo, passos indispensáveis à elaboração de qualquer norma jurídica decente. O anúncio faz apenas referência a uma “medida”. Que medida?
Nestes tempos de interesses volúveis e de pouca leitura, permito-me “dar um ctrl c, ctrl v” em alguns artigos da Constituição Federal só para lembrar o que todos não devemos esquecer: Art. 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; “Art. 37. A Administração Pública Direta e Indireta (…), obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)”.
Valendo-me agora de atual expressão lançada por célebre e midiático médico, “então, minha filha”: para criar uma obrigação é preciso uma norma jurídica anterior! Não é complicado se pensarmos um pouco. O Princípio da Legalidade constitui a base do Estado Democrático de Direito.
Isso sem que nos aprofundemos no mérito da decisão: deve a ANS intervir ou não no valor de mercado dos planos por meio da suspensão dos reajustes? A questão também sofre parâmetros constitucionais. Logo o artigo 1º da Carta Magna diz: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, (…), constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.”.
Aqui, é verdade, a discussão não é nova e retrata discordância da visão de Política Econômica entre os extremos do Liberalismo e do Conservadorismo. Há argumentos legítimos a sustentar ambas as posições. Agora, atropelar o Princípio da Legalidade é de matar!
E a bagunça é tanta que esqueceram a necessidade de atender ao artigo 37, também da CF: “A Administração Pública Direta e Indireta (…), obedecerá aos princípios de (…) eficiência (…)”. Repita-se: eficiência! Não é crível que o órgão regulador não tenha conhecimento dos enormes impactos nos Setores Operacionais, de Tecnologia da Informação, Faturamento, Financeiro, de centenas de Operadoras de Planos de Saúde, atonitamente debruçados sobre como atender a uma “medida” que não existe e a um texto de perfil jornalístico lançado na primeira página do site. Criou-se uma balbúrdia e a tal da “eficiência” foi degolada.
Não se discute o tamanho da desgraça advinda da COVID. Mas, justamente no momento em que as Operadoras estão se voltando para adotar medidas relevantes para assegurar o combate à Pandemia, precisam divergir enorme esforço para compreender orientações tão enigmáticas quanto a vacina que tanto esperamos. Que ao menos a norma viesse de uma forma organizada e “eficiente”.
Será que as milhares de horas de trabalho que estão sendo gastas por milhares de colaboradores de todo o setor assistencial privado vão beneficiar os consumidores? Na iniciativa privada já está mais consolidada percepção de que tudo custa. O custo administrativo das Operadoras é inflado em momentos como estes. Quem pagará, lá no final, a conta?
Uma aula de tudo que não deve ser feito em um Estado Democrático de Direito. Os professores de Direito Constitucional ganharam um ótimo caso de referência para garantir oportunidade de estudo aos alunos, visando contribuir para que as gerações futuras estejam atentas e estranhem os ataques à Constituição Federal.
Paulo Morínigo
Advogado – OAB/SC 11.646
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